Na rudeza da vida, a coragem do brasileiro probo e que labuta, faz de sua via crúcis um calvário diário. A resistência dos indigentes, que resignados, carregam a escória improdutiva do país, sob o açoite da Casa Grande e a avareza do chicote dos ordinários.
No clássico Os Sertões, o pré-modernista Euclides da Cunha, afirmou que “O sertanejo é, antes de tudo, um forte.” E ainda frente ao infindável ardor da luta desigual, peita o infortúnio com bravura e a persistência dos vencedores. Astutos por natureza, otimistas por religiosidade e o humor nato que dribla o óbito como em Ariano Suassuna.
Em cada rincão um ataúde farto, largo, para ossos tão frágeis e tão escassa carne. Vivência que a inanição ceifou em searas de misérias, latifúndios de mendicância, tribunais de injustiças e banquetes de indiferenças. Um eviterno “Doer, que dói sempre. Só não dói depois de morto. Porque a vida toda é um doer”, afirmou Rachel de Queiroz, em sua obra Dôra, Doralina. Como em Vidas Secas e os desafios da sobrevivência de Fabiano e sua prole, a cadela Baleia tratada como gente, dramaticamente descrita pelo sertanista e também modernista Graciliano Ramos.
Terra as quais quem planta não tem direito a comer, quem paga não pode usufruir, quem trabalha vegeta em olhares famintose funestos, definha à míngua e sob a vigilância da tropa de choque nas periferias. A aridez e o sol escaldante, a metamorfose kafkiana da água que esculpiu argila, a aridez da caatinga e a beleza do Mandacaru em flor! Resistente como a Jurema que para não perder água, perde suas folhas durante as longas estiagens.
A saga e o suplício de escanzelados retirantes, imortalizado nas obras do “Menino de Brodowski” Cândido Portinari. As mazelas de um povo e suas dores em Morte vida Severina, na Ode de João Cabral de Mello Neto. Os tormentos da Grande Seca de 1915 e seus Campos de Concentração, Rachel de Queiroz em seu romance O Quinze, descreveu com mestria, que marcou sua infância e revelou a resistência do sertanejo. “Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz.” Aqui, na mais tenra idade, aprende-se a duras penas que “A lembrança só dói quando fresca. Depois de curtida é um consolo.”
Ante ao senhor e seus capatazes, o rubro suor, vai procriando a fortuna de minorias, que negam até o pão a quem lhes sustentam, sob a égide da exploração da brutal luta de classes. As migalhas aos indigentes, o desprezo aos zumbis favelados, em “condomínios” de dálitis sob pontes e viadutos, apinhados em morros e escombros, governados por milicianos, traficantes, aos olhos condescendentes da necropolítica. Os quilombos de ontem, os mocambos e quartos de despejo de hoje! Um campo santo em cada canto, uma cova rosaou vala comum, para quem lutou e morreu pela terra. “Viver é negócio muito perigoso...”, Grande Sertão: Veredas do genial Guimarães Rosa. O “fim da mamata”, a “nova política” e o flerte com a morte, faz parecer ficção científica, com os matizes do surrealismo de Dalí. O homem precisa da arte, para não morrer no infortúnio da realidade. Frente ao maniqueísmo político nacional, eviscerando a limitação cognitiva e escancarando a ignorância.
Os odiosos e infames, armados de chocolates dinamarqueses sabor laranja, arautos da moralidade religiosa, sabujos de ditadores e milicianos, se veem as voltas ou de cúmplices ultracrepidários. A hipocrisia teocrática como cabo eleitoral, abrindo caminho para o apocalipse democrático do Estado laico. Parindo uma legião depechas e néscios, que sob bandeiras da bestialidade, banalizando a violência, disseminando o ódio e contribuindo para o grande rebu nacional, pautado no negacionismo histórico e científico, constrangedor! O infortúnio dos indigentes que fomentam o Estado e vítimas da corrupção intrínseca, mendigando piedade e compaixão de quem os odeiam. E no silêncio mórbido do eleitoracéfalo, a certeza do também pré-modernista Lima Barreto, quando afirmou, “O Brasil não tem povo, tem público.” Que no grande e patético espetáculo circense que reduziu a uma republiqueta debananas, os aplausos da covardia, omissão e estupidez galopante.
O silêncio mordaz da indiferença e as injustiças sociais evisceram as mazelas do país e escancara vergonhosamente, a cumplicidade de quem deveria combatê-las. Alguns patriotas traidores do povo, em suas suntuosas togas, fardas com estrelas gemadas, pompas e circunstâncias, justiceiros e omissos, a serviço de quem paga mais. Os podres poderes do Estado, harmônicos eletárgicos, zelando muito mais pelo corporativo umbigo, legislando em causa própria, numa ardilosa conspiração contra a Pátria! A Camorra nas alcovas e o lobby armamentista, para delírio dos amantes secretos freudianos, que fazem do fisiologismo sustentação ideológica, transformando o país inteiro em um salseirode corpos insepultos e com a bíblia debaixo do braço.
Sob o comando de roedores públicos, rebentos do randevunacional, gente graúda de cafetão e beleguins nativos como prostitutas de luxo. Otávio, Calígula, imperadores implacáveis na Roma Antiga, ficariam orgulhosos do quanto suas práticas políticas, administrativas, soberba e arrogância, foram tão bem assimiladas por seus contemporâneos, sem anacronismos.
Portanto, o eleitor que exala informação fake, na hora do pleito, fiel deficitário de formação crítica e conhecimento político, no silêncio ruidoso de pastos verdejantes. Se estas terras não são para amadores, realmente, não poderíamos estar em melhores mãos. Adotam partidos e políticos de estimação, renunciam a razão, abraçam as paixões e vivem na ilusão. Em um constrangedor abraço de afogados.
Marcos Manoel Ferreira, Professor, Pedagogo, Historiador e Escritor. Doutorando (Aluno Especial) em Performances Culturais; Mestre em História – Cultura, Religião e Sociedade; Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana; Especializando em Relações Internacionais; Pedagogo com Habilitação em História da Educação Brasileira e Historiador. professormarcosmanoelhist@gmail.com